Brasil perde 15% de superfície de água desde o começo dos anos 1990
O Brasil, que possui 12% das reservas de água doce do planeta, está secando. Esta é a conclusão obtida pela análise de imagens de satélite de todo o território nacional entre 1985 e 2020 feita pela equipe do MapBiomas. O país vem perdendo 15% da superfície de água desde o começo dos anos 1990.
No Mato Grosso do Sul, a perda foi de 57% da superfície de água. Entre as causas estão: uso da terra, construção de barragens, poluição e uso excessivo dos recursos hídricos e as mudanças climáticas. Os dados indicam uma clara tendência de perda de superfície de água em 8 das 12 regiões hidrográficas – em todos os biomas do país.
“Mudanças no uso e cobertura da terra, construção de barragens e de hidrelétricas, poluição e uso excessivo dos recursos hídricos para a produção de bens e serviços alteraram a qualidade e disponibilidade da água em todos os biomas brasileiros. Ao mesmo tempo, secas extremas e inundações associadas às mudanças climáticas aumentaram a pressão sobre os corpos hídricos e ecossistemas aquáticos”, explica Carlos Souza, coordenador do GT de Água do MapBiomas.
É importante lembrar que vivemos o pior índice de chuvas dos últimos 91 anos, e o Brasil se prepara para atravessar uma das piores crises hídricas e energéticas. Os reservatórios de hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste chegaram ao fim de julho com o armazenamento médio mais baixo de toda a série histórica disponibilizada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) – que teve início em 2000. Os números para o mês são piores, inclusive, que julho de 2001, ano em que o país enfrentou um racionamento de energia.
“Se não implantarmos a gestão e uso sustentável dos recursos hídricos, considerando as diferentes características regionais e os efeitos interconectados com o uso da terra e as mudanças climáticas, será́ impossível alcançar as metas de desenvolvimento sustentável”, alerta.
O estado com a maior perda absoluta e proporcional de superfície de água na série histórica de 35 anos analisada pela equipe do MapBiomas foi o Mato Grosso do Sul, com uma redução de 57%. Se em 1985 o estado tinha mais de 1,3 milhão de hectares cobertos por água, em 2020 eram apenas pouco mais de 589 mil hectares. Mais de 780 mil hectares de água foram perdidos no período.
Essa redução se deu basicamente no Pantanal, mas toda a bacia do Paraguai é afetada pela redução da superfície de água. Em segundo lugar está o Mato Grosso, com uma perda de quase 530 mil hectares, seguido por Minas Gerais, com um saldo negativo, entre a água que entrou e a que se esvaiu, de mais de 118 mil hectares.
Vários pontos de maior redução da superfície da água encontram-se próximos a fronteiras agrícolas, o que sugere que o aumento do consumo, construção de pequenas represas em fazendas, que provoca assoreamento e fragmentação da rede de drenagem e que vem junto com o desmatamento e aumento de temperatura, são fatores que podem explicar a diminuição da superfície da água no Brasil.
Além disso, o aumento de temperatura global de 1,5º C, com contribuição significativa pelas ações humanas, segundo o relatório recente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), pode estar contribuindo para esse processo de redução de superfície de água no Brasil. Vários casos indicam os efeitos combinados do uso da terra e das mudanças climáticas.
Rio São Francisco e Rio Negro
Foto: Divulgação/Secom
Esse é o caso do Rio São Francisco, que corre por áreas de Cerrado e Caatinga. Os dados analisados mostram que há tendência de decréscimo na superfície de água, especialmente na margem esquerda, onde ficam as regiões de fronteiras agrícolas.
A redução foi notada nos últimos 15 anos, que coincidem com o período de expansão agrícola no Matopiba, região formada por áreas majoritariamente de cerrado nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. O maior consumo de água dessas atividades, combinado ao assoreamento da calha do rio devido a forte intervenções e períodos de seca típicos da região por onde o Velho Chico passa, resultou em uma redução de 10% em sua superfície de água nos últimos quinze anos. Em sua foz, as comunidades já sentem os efeitos, com a invasão do rio pelo mar.
Outro rio que está perdendo seu vigor é o Negro, na Amazônia. Há uma tendência de decréscimo de superfície de água generalizada em sua sub-bacia hidrográfica. Considerando o início e o final da série, ela perdeu mais de 360 mil hectares de superfície de água, uma diferença de 22%.
O sinal de queda mais acentuado ocorreu entre 1999 e 2000 com redução de mais de 560 mil hectares – ou um pouco mais de 27% de diferença. O município que mais pegou fogo e mais perdeu água, entre 1985 e 2020, foi Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Cáceres, o quinto que mais queimou no país, é o vice-líder em perda de superfície de água.
“Os ciclos de fogo e água estão interligados e se retroalimentam. Menos água deixa a terra e a matéria orgânica que se depositam sobre ela mais vulneráveis ao fogo. Mais fogo suprime a vegetação, que tem papel crucial para perenizar nascentes e mananciais”, explica Tasso Azevedo, Coordenador do MapBiomas. Superfícies naturais e estruturas antrópicas, como barragens, açudes e reservatórios, contribuem na mudança dos padrões hidrológicos das regiões.
Pampa, Caatinga e Cerrado
No Pampa, há uma grande densidade de reservatórios artificiais para uso na irrigação do cultivo de arroz, construídos, em sua maioria, antes de 1985. No período de análise do MapBiomas Água, entre 1985 e 2020, houve continuidade na criação de novos reservatórios, com destaque para os municípios de Dom Pedrito e Uruguaiana, ambos no Rio Grande do Sul.
Apesar de apresentar menor tendência de redução de superfície de água, no Pampa também há problemas: aconteceu redução de quase 2,3 mil hectares. No Cerrado, a água natural, de rios livres, está perdendo espaço para a água antrópica (vinda da ação humana) com reservatórios. Há uma combinação de regiões com redução e outras com aumento de superfície de água em barragens no Cerrado, levando a uma leve perda de superfície da água neste bioma.
No caso da Mata Atlântica, os dados mostram que o Bioma não conseguiu passar ileso às crises hídricas de 2001 e 2015, apresentando decréscimos significativos nesses anos, apesar da boa quantidade de estruturas artificiais para armazenamento de água que o bioma abriga. Na Caatinga, estruturas antrópicas também não impediram o revés. Com a construção de estruturas de captação de água, o bioma experimentou um aumento de 13% da superfície de água entre 2004 e 2009. A partir de então, no entanto, sofreu uma redução de 30% devido a períodos de seca prolongados.
A perda da superfície de água natural por causa da água armazenada em estruturas construídas pelo homem tem consequências preocupantes na alteração do regime hídrico, afetando a biodiversidade e a dinâmica dos rios. O Pantanal é um desses exemplos, com a construção de hidrelétricas nos rios que formam o bioma. Ainda, há dezenas de outras barragens projetadas para esta região, com pouca contribuição para o sistema elétrico e um grande potencial de impactos.
“Elas se somam a um modelo de produção agropecuária que altera o regime de drenagem da água e intensifica a deposição de sedimentos, reduzindo a vazão da água. Se esse modelo de desenvolvimento não for revisto, o futuro Pantanal está comprometido”, explica Cássio Bernardino, coordenador de projetos do WWF-Brasil.
O Brasil possui 12% das reservas de água doce do planeta, constituindo 53% dos recursos hídricos da América do Sul. Existem 83 rios fronteiriços e transfronteiriços, assim como bacias hidrográficas e aquíferos. As bacias hidrográficas transfronteiriças ocupam 60% do território brasileiro.
O bioma com a maior área coberta por água no Brasil é a Amazônia, com mais de 10,6 milhões de hectares de área média, seguida pela Mata Atlântica (mais de 2,1 milhões de hectares) e pelo Pampa (1,8 milhão de hectares). O Pantanal ocupa a quinta posição, com pouco mais de 1 milhão de hectares de área média, atrás do Cerrado (1,4 milhão de hectares).