Sebastião Salgado se junta à luta do povo Ashaninka contra construção de estradas em áreas indígenas
O renomado fotógrafo Sebastião Salgado é um dos apoiadores da luta do povo Ashaninka contra a construção de estradas no Brasil e Peru, que invadem territórios indígenas e destroem a biodiversidade na Amazônia. Em sua página oficial no Instagram, o fotógrafo relatou uma chamada do povo Ashaninka contra essas obras, que estão sendo tocadas sem consulta prévia aos povos tradicionais.
“O governo federal brasileiro e o estado brasileiro do Acre estão avançando com um plano criminoso para construir uma rodovia da cidade de Cruzeiro do Sul, no Brasil, a Pucallpa, no Peru. Se construída, esta estrada, que corta o Parque Nacional da Serra do Divisor, seria um desastre para uma das regiões mais bem preservadas da Amazônia e teria consequências devastadoras para a população indígena que ali vive”, disse o fotógrafo.
Ainda, segundo Sebastião Salgado, “a Bacia do Rio Juruá, que será afetada por esta obra, abriga uma das maiores concentrações de biodiversidade do planeta. Os planos para outra rodovia entre Puerto Breu e Nueva Itália no Peru, se executados, também prejudicariam seriamente a vida das comunidades indígenas brasileiras e peruanas. As comunidades indígenas brasileiras ameaçadas por essas duas estradas são: Puyanawa, Jaminawa, Nukini, Nawa, Ashaninka, Huni Kui, Kuntanawa e Povos em Isolamento Voluntário”.
Para o ativista ambiental, o judiciário e a sociedade brasileira, em parceria com a comunidade internacional, não devem permitir a construção das duas rodovias, pois ambas representam uma tragédia à população indígena e para toda a Amazônia, com efeitos desastrosos para a humanidade.
A crítica foi ilustrada com uma foto, de 2016, produzida no ensaio que Sebastião Salgado realizou na Terra Indígena Ashaninka do Rio Amônia (AC). Na imagem, Luísa, filha da liderança Moisés Piyãko Ashaninka, se pinta no espelho.
Rodovias do retrocesso
Defendida pelos governos do Acre e Federal, a construção da estrada entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa, no Peru, trata-se de um dos projetos mais desastrosos para a proteção da Amazônia – não só a brasileira. A iniciativa está sendo tratada também por um Projeto de Lei 6.024, de autoria da Deputada Federal Mara Rocha (PSDB do Acre), que quer extinguir o Parque Nacional da Serra do Divisor e visa também alterar os limites da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, em Xapuri, no Acre.
A rodovia vai passar por dentro do Parque Nacional da Serra do Divisor. A area de proteção integral contém uma das maiores biodiversidades do planeta. Segundo estudos científicos, a Bacia do Rio Juruá também tem uma das maiores concentrações em biodiversidade da Terra, sendo abrigo para espécies ainda desconhecidas pela humanidade.
Além disso, a rodovia afeta diretamente três terras demarcadas pelo caminho. Duas delas – Terra Nukini e Terra Jaminawa do Igarapé Preto – ficam a 32 quilômetros de distância da rota planejada. Há ainda uma terceira, a terra indígena Puyanawa, que se avizinha do próprio acostamento, com apenas 1,5 km de distância do traçado.
No Peru, a ORAU (Organización Regional AIDESEP Ucayali) e a Defensoría del Pueblo, órgão constitucionalmente autônomo do Estado Peruano, se posicionaram contra o Projeto de Lei 06486/2020 aprovado no Congresso daquele país, na última sexta-feira, que declara como Necessidade Pública a estrada Entre Pucallpa e Cruzeiro do Sul.
“Rejeitamos esta forma de discriminação por parte do Congresso da República do Peru contra os povos indígenas por não nos ter considerado em nenhum processo de consulta prévia, ignorando nossos direitos e colocando os direitos de uma maioria privilegiada acima dos mais vulneráveis, pois com a construção desta rodovia estaríamos colocando em risco a preservação do povo Isconahua, que está em isolamento voluntário”, afirmou a ORAU em nota pública oficial, em suas redes.
Já a Denfensoría de Puelbo afirmou: “Lamentamos a aprovação do projeto de lei que estabelece estradas entre Pucallpa (Peru) e Cruzeiro do Sul (Brasil), sem objetivo, apoio técnico e respeito aos direitos humanos, colocando em risco Povos Indígenas e florestas”.
Rodovia Nueva Italia-Purto Breu, Peru
Salgado também relatou a problemática da estrada do lado peruano, que liga a comunidade Nueva Italia a Puerto Breu, fazendo fronteira direto com a TI Kampa do Rio Amônia, do povo Ashaninka, em Marechal Thaumaturgo. As duas rodovias têm sido alvo de protestos do povo Ashaninka, tanto da comunidade Apiwtxa, como do Peru.
“O que pode extrair, o que pode gerar um empreendimento como esse”, questiona Francisco Piyãko, liderança da Apiwtxa. “É a abertura para muitas coisas ruins, não conseguimos ver, até hoje, nenhuma extração de madeireira que beneficiasse, que gerasse renda e garantisse sustentabilidade e proteção dos povos. Nenhum. Nós passamos por isso quando estávamos com o nosso território invadido por madeireiros brasileiros”, explica Francisco, ao lembrar ainda a invasão que o a Apiwtxa sofreu nos anos 1980.
A proposta desta estrada é chegar em Puerto Breu, Distrito do Yurúa, passando na linha de fronteira com o Brasil, exatamente nas comunidades Sawawo Ito 40 e Nueva Shawaya , limite com a TI Kampa do Rio Amônia. O ramal foi aberto pela empresa madeireira Florestal Venao no início dos anos 2000 para o escoamento de toras de madeira dessas Comunidades Nativas. Hoje, é de interesse dos governos locais e regional de Ucayali.
A região do Breu/Yurúa no Peru é habitada por povos Ashaninka, Amahuaca, Jaminawa e Chitonahua, distribuídas em 34 Comunidades Nativas. A população em menor número é de comerciantes que migraram de outras regiões do Peru, são os mais interessados na construção dessa estrada. No Brasil, a estrada passará próximo as TIs Kaxinawá Ashaninka do Rio Breu, Kampa do Rio Amonea e a Reserva Extrativista Alto Juruá.
Integrantes da Aldeia Apiwtxa foram impedidos de participar do “Primeiro Congresso Extraordinário dos Povos Indígenas de Yurúa: Perspectiva Comunitária na Rodovia Nueva ltalia – Puerto Breu”, realizado no dia 29 de abril, em Dulce Gloria, no Distrito Yurúa. Isso causou uma revolta muito grande por parte das autoridades idígenas da região. Este encontro era uma oportunidade de apresentar para um grande número das comunidades da região os impactos e consequências desta estrada. Este Congresso foi organizado pela Asociación de Comunidades Nativas para el Desarrollo lntegral de Yurúa Yono Sharakoiai (ACONADIYSH), Asociación de Conservación Comunal Yurúa (ACC Yurúa – ACCY), Asociación Ambiental de la Comunidad Ashéninka Pocharipankoky Pikiyako Yurúa (AACAPPY).