Artista sonhava com o mar e queria ser entrevistado pelo Jô

No dia 22 de dezembro de 1998, a cidade de Manaus perdia um dos maiores intérpretes de toada e samba que o Amazonas já conheceu: o cantor e compositor Antônio Edilson Soares da Silva, ou simplesmente Casagrande. Dono de uma voz potente e inconfundível, além de admirado e respeitado por muitos – inclusive artistas, até de outros estados, como Zeca Pagodinho –, ele tinha apenas 25 anos quando teve a vida “ceifada” por conta de um erro médico, justamente no período em que vivia um grande momento na carreira e se preparava para realizar dois grandes sonhos: ser entrevistado pelo apresentador Jô Soares e conhecer o mar.

O acidente no meio do caminho, provocado durante a cirurgia que precisou fazer para retirada de calo nas cordas vocais, jogou tudo por terra.

O caso foi parar nos tribunais, a família travou uma batalha incansável durante anos e, mesmo acusado de homicídio culposo (sem a intenção de matar) e ainda ter recebido censura pública (conforme publicado no Diário Oficial), o médico Joacy da Silva Azevedo não teve a punição esperada durante o processo.

Na época, Casagrande já era bastante conhecido no meio musical e vislumbrava alçar voos mais altos no sudeste do país, quando sofreu um colapso irreversível e morreu na hora, sem nenhuma chance de reanimação. Segundo a denúncia, o referido consultório não disponibilizava dos equipamentos necessários e adequados para o procedimento cirúrgico.

“Fizemos de tudo, fomos até as últimas consequências, mas ficou só a decepção com a justiça do nosso estado. Mas, a justiça de Deus não falha”, ressalta Lana Casagrande, a primeira das três irmãs.

Presença constante nos shows, a mãe, dona Palmira, que ficou “arrasada” por muitos anos, sempre apoiou as decisões do filho. Segundo os mais próximos dela, a matriarca deixava transparecer esse sentimento, por acreditar plenamente no potencial e achar que Casagrande realmente seria um grande nome da música, também em nível nacional.

“Meu filho não estava doente, ele não entrou para morrer, mas para melhorar e ir pronto para a carreira nacional”, costumava dizer ela.

Dona Palmira morreu em outubro do ano passado, aos 78 anos, vítima do Alzheimer, doença adquirida dos 57 para os 58 anos, logo após a perda do filho.

“Não havia nenhum caso dessa doença conhecido na família. O médico apontou como provável causa, a perda repentina do filho, devido ao grande choque”, justifica Tuka Casagrande, a irmã do meio.

Carreira

Casagrande sempre viveu no bairro Presidente Vargas (antiga Matinha), na zona Sul de Manaus, onde até hoje mora o também artista Carlinhos do Boi. Desde muito cedo já mostrava talento para a música.

O primeiro prêmio veio num concurso de calouros mirim, na rua Aluísio Azevedo. Em seguida, já na companhia dos irmãos Fábio e Cássio Casagrande, começou a rodar pela cidade e lançou o primeiro grupo de pagode entre amigos. Logo chamou a atenção da mídia e, em pouco tempo, já cantava nos programas de rádio e televisão.

“Na brincadeira, o grupo de pagode como Resto de Panela, mas depois deram o nome de Anjos do Pagode. Foi o Jurandir Vieira (radialista) quem “batizou”, por conta de os meninos serem muito jovens na época”, recorda Tuka.

Com a cantoria vieram também as parcerias. Uma das principais foi com Chico da Silva. Casagrande chegou a ganhar o prêmio “Revelação” no Festival Universitário de Música (FUM), com a composição “Eu vi”, do artista parintinense.

“Ele não deixou filhos, estava noivo e pretendia casar no ano seguinte (1999); estava vendo lugar para a nova residência. Ele se preparava para ir para São Paulo e o sul do Brasil, para fazer a carreira nacionalmente. Tinha o sonho de ser entrevistado pelo Jô Soares e de ver o mar”, lembra a irmã.

 

Com os irmãos Fábio e Cássio, Casagrande animava as noites de Manaus com a banda Brasil Samba Show. Era constante presença em clubes como Nostalgia, Olímpico, Bar do Boi, Curral do Garantido e no Bumbódromo de Parintins (a 369 quilômetros de Manaus).

A carreira seguiu emergente, entre os anos de 1997 e 1998, e o artista ainda gravou dois CDs independentes, com toadas e pagode.

Apelido

Outra paixão de Casagrande era o futebol. E foi justamente durante as “peladas” com os amigos de infância e adolescência que recebeu o apelido, por ter cabelos encaracolados e porte físico semelhantes ao então jogador e hoje comentarista esportivo.

“Como irmão, para mim o Casagrande era indescritível, extrovertido, marcante, com uma voz linda ao cantar. Até hoje, quando ouço o CD dele, parece que está ali, naquele momento, muito cheio de vida e alegria! Muito cuidadoso, humilde, valorizava muito a família. No melhor-primeiro salário, quis dar um presente para mamãe e deu um armário de cozinha. A chamava de ‘minha santa mãezinha’. Eu estava sempre ao lado dele para ajudar com as coisas da banda; ele sabia que podia contar comigo e sempre foi muito grato. Fiquei surpresa e muito feliz porque, no primeiro CD que lançou de forma independente, lá estava meu nome bem no início da lista de agradecimentos. Nem esperava, pois fazia tudo de coração mesmo, mas ele viu mais que isso. Por isso, falar dele para mim, além de querer colocar sempre o verbo no presente, é simplesmente indescritível”, destaca Tuka Casagrande.

Partida precoce

O irmão caçula, Fábio Casagrande, lembra com saudosismo a proximidade que tinha com Edilson e, até hoje, lamenta a partida precoce do cantor.

“A toada perde, o samba perde, o pagode perde… Inacreditável, mas a música local ficou órfã dele cedo demais. Houve muitas manifestações de carinho, solidariedade e homenagem realizadas pelos artistas à época, seria mais como um desabafo de ‘não acreditar’ que não ouviríamos mais nos palcos seu talento”, observa. “Como umas palavras de um autor desconhecido: ‘… porque o artista morre, mas sua arte permanece viva. Ainda mais um artista que lida com a música, pois esta é a ferramenta mais eficaz para tocar a alma de alguém.’ Meu irmão nasceu para ser artista”, reconhece.

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Ficha Técnica

Nome: Antônio Edilson Soares da Silva

Nome artístico: Casagrande

Nascimento: Manaus, em 9/02/1973

Falecimento: aos 25 anos, vítima de erro médico, em 22/12/1998

Filiação: Palmira Soares da Silva e Paz Marques

Irmãos: Euder, Lana, Tuka, Cássia, Cássio e Fábio Casagrande

 

 

 

 

 

Texto: Isaac Júnior/Edição Norte

Fotos: Acervo da família do artista

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