Cientistas já falam em terceira onda da Covid-19 em Manaus
A mesma equipe de cientistas que previu, em artigo publicado em agosto na Nature, o segundo colapso na saúde em Manaus por causa da Covid-19, aponta agora para uma terceira onda do coronavírus na região. Segundo os pesquisadores, o Estado do Amazonas corre o risco de espalhar a crise sanitária para todo o território nacional, caso autoridades não imponham lockdown com ao menos 90% da população isolada e vacinação em massa mais acelerada do que no restante do País.
“Sem o isolamento social adequado, Manaus deve enfrentar uma terceira onda ainda em 2021. É necessária uma fiscalização forte da polícia para garantir o fechamento de Manaus. Além disso, é impensável a volta às aulas presenciais para qualquer local do Brasil neste momento, justamente para impedirmos o espalhamento da variante que surgiu no Amazonas. Recomendamos o fechamento também das fábricas e do Distrito Industrial em Manaus, que podem parar sem quebrar e sem deixar de pagar o salário de seus funcionários”, destacou Lucas Ferrante, biólogo e doutorando do programa de Biologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e o primeiro autor do artigo na revista científica.
“Não existe lockdown em Manaus hoje, apenas um isolamento parcial que já sofre pressões para a reabertura da cidade. Uma reabertura, mesmo que gradual, propiciaria um cenário de manutenção da pandemia, e um ritmo de casos e mortes alto durante todo o ano e entrando em 2022”, frisou Ferrante.
O grupo, que deve publicar um novo artigo nas próximas semanas com as projeções para 2021, é formado por profissionais de diversas áreas, como Medicina, Biologia e Matemática. Além de Lucas, fazem parte do estudo os doutores Philip Fearnside do Inpa; Luiz Henrique Duczmal, professor do Departamento de Estatística do Instituto de Ciências Exatas (ICEx) da UFMG; Unaí Tupinambás, docente do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da universidade mineira; Wilhelm Alexander Steinmetz e Jeremias Leão, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam); Alexandre Celestino Leite Almeida, da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ); e Ruth Camargo Vassão, pesquisadora aposentada do Instituto Butantan.
De acordo com o cientista, a taxa de transmissão e mortalidade por covid-19 deve se manter a mesma durante todo o ano se não forem aplicadas medidas drásticas de isolamento, facilitando o surgimento de cepas.
“Isso deverá propiciar novas mutações, o que pode culminar em uma nova variante resistente às vacinas já produzidas.”
O cientista frisa que a atual segunda onda não é fruto da nova cepa, notoriamente mais transmissível e responsável por mais mortes em Manaus e interior, e que possui similaridades com as encontradas na África do Sul e no Reino Unido. “Essa segunda onda é fruto da negligência de governador e do prefeito da capital, de não terem decretado um lockdown severo por algumas semanas no ano passado”, diz.
Resistência
Ferrante se reuniu com o atual prefeito, David Almeida, em 21 de janeiro. Segundo ele, embora tenha se mostrado receptivo, o prefeito não tomou ainda nenhuma das providências solicitadas pelo grupo.
“Sugerimos o lockdown e que a prefeitura estabeleça um diálogo direto com o Ministério da Saúde e governo do Estado para a compra de mais vacinas, a exemplo do governo de São Paulo, para impedir que a doença se propague e que o vírus sofra novas mutações e fique mais resistente”, defendeu o cientista.
A assessoria do prefeito confirmou o encontro, mas não comentou o teor.
No ano passado, os pesquisadores também tentaram se reunir com o então prefeito Artur Neto, sugerindo lockdown antes do Natal, mas a reunião foi desmarcada em cima da hora por um assessor. A assessoria do ex-prefeito confirma que sua agenda não permitiu o encontro.
Ferrante também coordenou um estudo em maio do ano passado, a pedido do Ministério Público Estadual, apresentado em uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado. Os dados apresentados foram alvo de desconfiança de deputados governistas e da então diretora da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS) do Amazonas, Rosemary Costa. Segundo ela, os dados de que a FVS dispunha não apontavam para aumento de casos nos próximos meses.
“Nós somos vigilância ativa, temos dados em tempo real e baseados em sistemas oficiais. Nós não admitimos que a FVS seja tratada como um órgão menor e nossos dados sejam questionados”, disse a diretora na audiência pública, que pode ser assistida no YouTube. Ela morreu no dia 22 de janeiro, aos 61 anos, por covid-19, durante a segunda onda que Manaus atravessa.
Fonte: Correio Brasiliense, com informações do jornal O Estado de S. Paulo