Comunidade internacional alerta para risco de golpe de Estado em Mianmar

A prêmio Nobel da Paz de 1991, Aung San Suu Kyi, pediu nesta segunda-feira (1º) que a população de Mianmar não aceite o golpe de Estado feito por militares, em uma carta publicada pelo seu partido.

“As ações dos militares são ações para colocar o país novamente sob a ditadura”, disse a Nobel da Paz no comunicado divulgado pelo Liga Nacional para a Democracia (NLD). “Peço às pessoas que não aceitem isso, respondam e protestem de todo o coração contra o golpe dos militares”.

Ela, o presidente do país, Win Myint, e outros líderes civis foram detidos na capital Naypyidaw pelo Exército, que proclamou estado de emergência por um ano e disse que o golpe foi “necessário para preservar a estabilidade”.

Os militares alegam “enormes irregularidades” mas eleições legislativas de novembro, vencidas por ampla maioria pelo partido de Aung San Suu Kyi, o NDL, e dizem que vão organizar uma votação “livre e justa” após o estado de emergência.

Diversos países condenaram o golpe militar no país, que faz fronteira com China, Bangladesh, Laos e Tailândia no sudeste da Ásia (veja mais abaixo). Manifestantes foram às ruas em Bangcoc para protestar contra a deposição do governo democraticamente eleito.

O golpe ocorreu sem atos de violência e poucas horas antes da primeira sessão do Parlamento formado nas eleições de novembro.

Os militares bloquearam as estradas ao redor da capital com tropas, caminhões e veículos blindados, enquanto os helicópteros militares sobrevoavam a cidade, e derrubaram o sinal de internet e telefonia móvel em todo o país.

Em Yangun, antiga capital que continua sendo o centro econômico do país, as tropas tomaram o controle da prefeitura. Os bancos fecharam as portas temporariamente.

“Colocaremos em funcionamento uma autêntica democracia pluripartidária”, afirmaram os militares em um comunicado. Horas depois, eles anunciaram a nomeação de ministros e outros membros do governo novo governo.

Repercussão

O golpe de Estado provocou uma avalanche de condenações internacionais. Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido, Japão e outros países criticaram imediatamente a tomada do poder pelos militares. A China se limitou a pedir às partes envolvidas que “solucionem suas diferenças”.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, “condenou firmemente” a detenção de Aung San Suu Kyi. “Esses acontecimentos representam um golpe sério nas reformas democráticas em Mianmar”, afirmou o porta-voz de Guterres, Stephane Dujarric, em um comunicado.

“O governo dos Estados Unidos se opõe a qualquer tentativa de alterar o resultado das recentes eleições”, afirmou a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, em comunicado. “Vamos adotar ações contra os responsáveis”.

“Pedimos aos líderes militares que libertem todos os funcionários do governo e líderes da sociedade civil e respeitem a vontade do povo, expressa nas eleições democráticas de 8 de novembro”, afirmou Antony Blinken, o novo secretário de Estado dos EUA.

“Os Estados Unidos estão ao lado do povo de Mianmar em suas aspirações por democracia, liberdade, paz e desenvolvimento. Os militares devem reverter essas ações imediatamente”.

“Condeno veementemente o golpe em Mianmar”, afirmou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que pediu a “libertação imediata e incondicional” de todos os detidos. “O governo civil legítimo deve ser restaurado, de acordo com a constituição do país e as eleições de novembro”.

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, condenou a tomada do poder e exigiu que os militares libertem todos os detidos. “O resultado das eleições deve ser respeitado e o processo democrático deve ser restaurado”.

O premiê britânico, Boris Johnson, também condenou o golpe e a prisão de Aung San Suu Kyi. “Condeno o golpe e a prisão ilegal de civis, incluindo Aung San Suu Kyi, em Mianmar. O voto do povo deve ser respeitado e os líderes civis, libertados”.

O ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas, condenou “veementemente” a tomada do poder e as prisões. “As ações militares colocam em risco o progresso feito até agora em direção à mudança democrática em Mianmar”.

China não condena

A China foi a única potência mundial a não condenar o golpe. “Notamos o que aconteceu em Mianmar e estamos em processo de entender melhor a situação”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Wang Wenbin, em uma coletiva de imprensa diária em Pequim.

“A China é um vizinho amigo de Mianmar. Esperamos que todos os lados em Mianmar possam lidar adequadamente com suas diferenças sob a Constituição e salvaguardar a estabilidade política e social”, acrescentou Wenbin.

No mês passado, o principal diplomata do governo chinês, Wang Yi, visitou Mianmar e se encontrou com o chefe militar do país, Min Aung Hlaing, que agora assumiu o poder.

Questionado se durante a visita de Wang Yi ao país vizinho foi aventada a possibilidade de haver um golpe ou se a China condenaria a tomada de poder, o porta-voz chinês repetiu sua declaração.

A China tem interesses econômicos estratégicos em Mianmar, com grandes oleodutos e gasodutos que passam pelo país, e uma importante influência sobre o vizinho. Os chineses apoiaram a ditadura militar em Mianmar, mas também trabalhou com Aung San Suu Kyi quando ela se tornou líder do país.

Acusação de fraude

Os militares denunciavam há várias semanas mais de 10 milhões de casos de fraudes nas eleições legislativas de novembro. Eles exigiam que a Comissão Eleitoral publicasse a lista dos eleitores para uma verificação, o que não ocorreu.

Os temores aumentaram quando o general Min Aung Hlaing, comandante do Exército e agora nomeado presidente, declarou que a Constituição poderia ser “revogada” sob certas circunstâncias.

A votação de novembro foi a segunda eleição geral do país desde 2011, quando a junta militar foi dissolvida. Em 2015, a NDL também venceu por ampla maioria, mas se viu obrigada a compartilhar o poder com o Exército, que controlava três importantes ministérios (Interior, Defesa e Fronteiras).

Muçulmanos rohingyas

Exilada durante muitos anos no Reino Unido, Aung San Suu Kyi, de 75 anos, retornou a Mianmar em 1988 e se tornou a principal figura da oposição durante a ditadura militar. Ela passou 15 anos em prisão domiciliar antes de ser libertada pelo Exército, em 2010.

Apesar do Prêmio Nobel da Paz de 1991 e de ser muito venerada por boa parte da população, Aung San Suu Kyi foi muito criticada pela comunidade internacional por sua gestão da crise dos muçulmanos rohingyas.

Quase 750 mil pessoas fugiram dos abusos do Exército e de milícias em 2017 e se refugiaram em acampamentos na vizinha em Bangladesh, uma tragédia que levou Mianmar a ser acusada de genocídio na Corte Internacional de Justiça (CIJ), o principal órgão judicial da ONU.

Fonte: G1

Foto: Athit Perawongmetha/Reuters

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