Estudo aponta que 94% do desmatamento na Amazônia são ilegais

Um estudo desenvolvido por pesquisadores do Instituto Centro de Vida (ICV), Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com apoio do WWF, concluiu que 94% da área desmatada na Amazônia e no Cerrado até o segundo semestre de 2020 está relacionado à derrubada ilegal.

O estudo Desmatamento Ilegal na Amazônia e no Matopiba: falta transparência e acesso à informação cruzou dados oficiais de desmatamento do sistema PRODES, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) para a Amazônia e o Cerrado e diversas bases de dados sobre autorizações de supressão de vegetação nativa (ASV), necessárias para proprietários rurais promoverem o desmate de áreas em conformidade com os casos previstos na legislação.

O estudo detectou que a transparência dos dados das ASVs é bastante precária, com informações inexistentes ou disponibilizadas em formato inadequado ou incompleto. Do modo como estão apresentadas, em grande parte dos casos, fica impossível diferenciar o desmatamento legal do ilegal, algo fundamental para frear as taxas cada vez maiores de derrubada de florestas e demais ecossistemas naturais.

“Observamos um quadro preocupante de bases de dados oficiais de baixa qualidade, assim como a limitação ou mesmo a indisponibilidade de acesso a informações ambientais que, por lei, deveriam estar disponíveis à sociedade”, afirma Paula Bernasconi, coordenadora do Instituto Centro de Vida (ICV) e uma das autoras do estudo.

Estudo

Para avaliar a transparência e qualidade das informações, os pesquisadores fizeram um levantamento das bases de dados de autorizações de supressão da vegetação nativa emitidas até o segundo semestre de 2020, nos 11 estados que compreendem a Amazônia Legal e o Matopiba.

Foram analisados o acesso e a disponibilização das bases de autorizações de desmatamento por meio da verificação de sites das agências estaduais de meio ambiente e do Ibama, dos Diários Oficiais dos estados, e da situação dos Órgãos Estaduais de Meio Ambiente (OEMAs).

Além disso, foram feitas solicitações aos órgãos públicos, via Lei de Acesso à Informação (LAI) e, por último, a avaliação da qualidade das bases de dados com relação a critérios importantes para a transparência nos processos de supressão da vegetação nativa, como identificação dos requerentes, formato, data de emissão, validade e área.

Como resultado, constatou-se que cinco estados (Acre, Amapá, Bahia, Maranhão e Piauí) sequer disponibilizam qualquer base de dados sobre ASVs em seus sites, enquanto o governo federal e os demais estados apresentam problemas no formato, acessibilidade ou na atualização das informações.

Ao se tentar obter as informações via Lei de Acesso à Informação, apenas três estados encaminharam as bases solicitadas e, mesmo assim, com falhas, como não atender todo o período solicitado.

Ao analisarem a disponibilização pelos Diários Oficiais dos estados, novamente a transparência prevista em lei não foi atendida: Amapá, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins não disponibilizam nenhuma informação sobre as ASVs. Aqueles que divulgam, o fazem de forma incompleta, sem dados como coordenadas geográficas ou o total da área a ser suprimida, por exemplo.

Falta de transparência

Após os levantamentos nas diferentes fontes de dados, foram elencadas as melhores bases por estado, conforme formato e abrangência de tempo, que permitiriam uma análise da ilegalidade do desmatamento.

A maioria dos estados ofereceu dados que compreendem apenas os anos de 2018 a 2020. Ao cruzarem as áreas das ASVs com os dados de desmatamento para o mesmo período, os pesquisadores verificaram que as áreas das ASVs correspondem, em média, a apenas 5% do desmatamento total observado nos estados, conjuntamente.

“Vale ressaltar que as áreas desmatadas nem sempre coincidem com as indicadas na ASV, temos casos em que a ASV é emitida e o desmatamento não é realizado, ou é feito fora do período da validade da ASV. Então, o nível total de ilegalidade pode ser ainda maior, e somente análises utilizando informações georreferenciadas poderiam chegar a uma estimativa de ilegalidade minimamente confiável”, explica Vinícius Guidotti, coordenador de Geoprocessamento do Imaflora, um dos coautores do estudo.

O estudo observou ainda que há uma discrepância entre os estados: enquanto Amazonas, Roraima, Pará e Bahia apresentam uma área total de ASVs que corresponde a menos de 2% do desmatamento no período, em estados como Amapá e Roraima esse valor supera os 30%.

Ilegais

Apesar dessa diferença entre estados, a conclusão é de que 94% da área desmatada nos biomas Amazônia e Cerrado nos estados incluídos na análise não está acompanhada de ASVs disponíveis publicamente e, portanto, podem ser considerados ilegais. Isso corresponde a 18 milhões de hectares, área superior aos territórios somados da Dinamarca, Holanda, Bélgica e Suíça.

“É urgente haver maior esforço técnico e vontade política no cumprimento da legislação ambiental e da Lei de Acesso à Informação. Caso contrário, a falta de transparência seguirá como escudo para a continuidade da destruição dos ecossistemas”, conclui Raoni Rajão, coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais (LAGESA) da UFMG e coautor da pesquisa.

Legislação ambiental

A falta de transparência, em conjunto com os altos índices de ilegalidade, se convertem em riscos reais de mercado para o Brasil, uma vez que é crescente a pressão dos compradores por uma melhor rastreabilidade dos produtos, bem como são inúmeras as instituições financeiras nacionais e internacionais demandando cadeias de valor livres de desmatamento.

O mesmo ocorre no campo geopolítico, com a União Europeia e o Reino Unido, por exemplo, preparando legislações para garantir cadeias de fornecimento limpas, impedindo a importação de produtos provenientes de áreas recentemente desmatadas.

“Este novo estudo aponta que o Brasil não vem implementando a legislação ambiental e de acesso à informação de forma séria e responsável, como a sociedade espera de suas autoridades. Mostra uma enorme precariedade com relação à transparência de dados de desmatamento, uma espécie de estímulo oficial à aceleração do desmatamento e ao cometimento de crimes impunes. Um quadro que só traz prejuízos a todos os brasileiros e à nossa imagem no exterior, assim como à reputação de nosso setor privado e dos produtos agropecuários que vendemos. A pergunta que não conseguimos responder é: quem está se beneficiando de tudo isso?”, pondera Frederico Machado, líder de Conversão Zero do WWF.

 

 

 

 

 

Fonte: Instituto Centro de Vida (ICV)

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