Governador contraria legislação e autoriza garimpo em Roraima

O governador Antonio Denarium (sem partido) sancionou a lei que libera o garimpo de todos os tipos de minérios em Roraima. O documento foi publicado no Diário Oficial do Estado de segunda-feira (8).

Para o procurador do Ministério Público de Roraima (MPRR), Edson Damas, a medida é inconstitucional porque só a União pode legislar sobre mineração(Veja a explicação abaixo)

Conforme o texto da nova lei estadual, as atividades de lavra garimpeira podem ser feitas com o uso de mercúrio – substância que ajuda a catalisar o ouro, mas apontada como extremamente danosa ao meio ambiente.

“Na lavra de Ouro, só será permitido o uso de azougue (mercúrio) para a concentração caso seja apresentado projeto de solução técnica que contemple a utilização do mercúrio em circuito fechado de concentração e amalgamação do minério de ouro”, diz trecho do texto da Lei 1.453 de 2021.

Procurado, o governo afirmou que a lei “trará diversos benefícios para o estado” e que o objetivo é tirar garimpeiros “da ilegalidade para que o governo também possa melhorar a arrecadação”.

O governo também afirmou que o texto não contempla áreas indígenas ou federais. No entanto, o texto diz que atividade de lavra garimpeira fica permitida em todo o estado. O governo estadual pode legislar sobre terras, mas mineração é legislada exclusivamente pela União.

O Ministério de Minas e Energia foi procurado, mas não se manifestou até a última atualização desta matéria.

Contrários ao projeto, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) e outras 39 instituições se posicionaram contra a liberação dos garimpos e pediram a retirada da proposta. No estado, há 10.370.676 hectares de terras indígenas, segundo o Instituto Socioambiental (ISA).

‘Falsas expectativas’

 

Procurador Edison Damas atua em questões indígenas há duas décadas em Roraima — Foto: Divulgação/MPRR

Procurador Edison Damas atua em questões indígenas há duas décadas em Roraima — Foto: Divulgação/MPRR

A mineração, jazidas e regulamentação do garimpo são questões que devem ser discutidas pela União, conforme os artigos 20º, 22º, 176º e 177º da Constituição Federal. É o que aponta o procurador do Ministério Público de Roraima (MPRR), Edison Damas.

“O monitoramento é concorrente, ou seja, os três entes federados têm competência. Se o Estado tem competência de licenciar, então, tem o dever de monitorar e fiscalizar”, afirma o governo estadual ao ser questionado sobre a competência para legislar sobre minérios.

“Na minha opinião, é apenas para causar tumulto, insegurança e falsas expectativas em quem defende a mineração. Também vai criar uma reação contrária dos indígenas que não vão tolerar isto dentro da área deles”, afirmou o procurador que há mais de duas décadas trabalha com questões indígenas no estado. Este é o tipo de iniciativa que só estimula o conflito. Acho que é uma iniciativa desnecessária, as autoridades têm que procurar sempre a segurança jurídica e legalidade”, pontuou Damas.

Embora o texto do projeto legalize o garimpo no estado de Roraima sem informar quais áreas são afetadas, o governo afirma que terras indígenas e territórios da União estão excluídos. Ainda assim, Damas afirma que se trata de um equívoco na proposta.

“É um equívoco deles, a terra é do estado, mas a Constituição diz que o minério é da União. Eles podem legislar sobre terras, mas não sobre minérios”, explicou.

Para Damas, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve conceder uma liminar derrubando a decisão antes que as atividades de mineração nas áreas afetadas pela decisão possam começar, já que o processo de autorização, realização de estudos de impacto e liberação dos trabalhos leva tempo.

O partido Rede entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra a lei nesta terça-feira (9).

Os representantes que assinam a ação argumentam que a lei não pede estudos prévios de e que a Constituição resguarda a preocupação com o meio ambiente.

“A Constituição esclarece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, lembrou a ao citar o artigo 225 da CF.

Lei sancionada

 

Terra Yanomami atingida pelo garimpo ilegal — Foto: Divulgação/Exército/Arquivo

Terra Yanomami atingida pelo garimpo ilegal — Foto: Divulgação/Exército/Arquivo

Conforme a lei sancionada, o uso de mercúrio pode ser feito em “circuitos fechados”. No entanto, para a pesquisadora da Fiocruz, Sandra Hacon, não é possível controlar o uso de mercúrio porque a substância será usada na natureza.

“O uso controlado [do mercúrio] na Amazônia é impossível porque como é que vai ser fiscalizado isto? Precisaria de uma fiscalização efetiva, coisa que nunca ocorreu e não vai ocorrer. Não conseguimos fiscalizar nem o desmatamento e o que acontece com as madeireiras, que são possíveis fiscalizar até por satélite, imagina o uso do mercúrio”, afirmou.

Há 30 anos trabalhando em pesquisas sobre como a população é afetada pelo mercúrio, Hacon já viu casos de gestantes contaminarem os filhos ainda na barriga, dificuldade de atenção em crianças, alterações na fala, visão, audição e até casos de alucinações.

O texto inicial de Denarium previa 50 hectares de licenciamento ambiental para cooperativas de garimpeiros mas, Éder Lourinho (PTC) ampliou para 200 hectares, quatro vezes mais espaço para exploração e extração de minérios.

Lourinho também foi o parlamentar responsável por incluir a emenda permitindo o uso de mercúrio na atividade. A votação do Projeto de Lei ocorreu em sessão no dia 13 de janeiro, quando havia 20 deputados presentes e 18 foram favoráveis.

Apenas Lenir Rodrigues (Cidadania) e Evangelista Siqueira (PT) foram contrários à proposta. Votaram pela liberação:
  • Éder Lourinho (PTC);
  • Jeferson Alves (PTB);
  • Jalser Renier (SD);
  • Betânia Almeida (PV);
  • Catarina Guerra (SD);
  • Ione Pedroso (SD);
  • Jorge Everton (MDB);
  • Ângela Aguida Portela (PP);
  • Aurelina Medeiros (Podemos );
  • Renan Filho (PRB);
  • Gabriel Picanço (PRB);
  • Dhiego Coelho (PTC);
  • Chico Mozart (PRP);
  • Coronel Chagas (PRTB);
  • Janio Xingú (PSB);
  • Marcelo Cabral (MDB);
  • Odilon Filho (Patriota);
  • Tayla Peres (PRTB).

 

Fonte: G1

Foto principal: Ibama

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