Pandemia agrava evasão escolar no Brasil
“A pandemia nos atropelou, mas a desigualdade já existia”. É o que assevera Ednéia Gonçalves, educadora e socióloga, ao Yahoo! quando questionada sobre os efeitos da crise sanitária na educação já combalida do país. Uma das grandes preocupações dos profissionais do setor é com um problema cujo alicerce está fortificado desde muito antes do surgimento da Covid-19: a evasão escolar.
De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha em fevereiro deste ano, o país teve uma taxa de abandono escolar de 8,4%: cerca de quatro milhões de estudantes brasileiros, de uma faixa etária que vai de 6 a 34 anos, matriculados antes da pandemia do novo coronavírus, acabaram largando os estudos durante 2020.
Ainda segundo o levantamento, a taxa de abandono foi maior entre os estudantes do ensino superior: 16,3%. Ana Franco, 24 anos, moradora de Guarulhos (SP), contribuiu para essa estatística. Com a crise social acentuada pela pandemia, ela trancou a graduação em Pedagogia na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) para ajudar na sobrevivência do comércio dos pais, que gerenciam uma pequena loja de utensílios domésticos.
Ao Yahoo!, a jovem contou que, por conta da pandemia, ela perdeu a vaga de estágio em que trabalhava há oito meses em uma escola particular de Guarulhos. Logo depois, percebeu que a situação econômica dos pais precisaria de um auxílio dela.
“Começou a apertar um pouco, aí comecei a trabalhar com meus pais e percebi que era necessária a minha ajuda no negócio deles, que sempre foram autônomos. Temos uma loja física e fazemos vendas por telefone, mas é complicado. Fiz o primeiro semestre virtual, mas no segundo semestre não consegui mais acompanhar as aulas e resolvi trancar o curso”, conta a jovem que relata problemas de falta de adaptação, tanto dos alunos como dos professores, durante o ensino remoto.
Outro recorte da pesquisa Datafolha vai ao encontro da afirmação de Edneia, coordenadora executiva da Ação Educativa, órgão da Sociedade Civil que atua na área educacional há mais de 26 anos no país. O levantamento mostra que a evasão escolar foi 54% maior entre os alunos das classes D e E (10,6%), na comparação com estudantes das classes A e B (6,9%).
“Precisamos analisar o que é um cenário de pandemia. Há fome, necessidades, luto, entre outras coisas que agravam uma situação que já era precarizada. As desigualdades vem se acirrando ainda mais. As escolas têm um papel muito importante como rede de proteção aos jovens, algo que vai além da sala de aula”, explica a educadora.
Para Edneia, a evasão tem mais a ver com o quanto o atendimento das instituições escolares consegue dialogar com as condições reais dos estudantes.
“Ninguém quer escola fechada, mas ninguém quer escola aberta sem segurança também. Os estudantes dos ensinos médio e superior têm se preocupado com assuntos urgentes que decorrem da pandemia, isto é, como se manter vivo, alimentado e com seu núcleo familiar unido e seguro. Há famílias que estão perdendo metade dos seus membros”, ressalta Edneia.
Na visão da socióloga, o maior desafio das autoridades e dos profissionais que atuam na área é viabilizar condições para que o estudante continue a manter um “projeto de futuro”.
17,4% dos entrevistados na pesquisa sobre evasão escolar, no entanto, dizem não ter intenção de voltar a estudar em 2021. Ana não sabe estimar uma data, mas garante que pensa em retomar e concluir seus estudos.
“Planejo terminar meu curso. Trabalhar com educação é o meu sonho. Sem a educação que eu tive, eu não seria a pessoa que eu sou. Por isso optei por estudar pedagogia”.
Como fazê-los voltar às salas de aula?
Um dos primeiros passos, na visão da educadora, a se tomar numa eventual retomada do ensino no país é realizar um trabalho de “escuta ativa”.
“[É preciso escutar] os estudantes, as famílias e os profissionais. Precisamos começar a pensar que o momento do retorno do ensino é ajeitar a casa para adquirir contato com todos os saberes que foram produzidos nesse período de pandemia”, destaca Ednéia, que acredita que toda a educação será transformada no pós-crise: “Até o ‘estar juntos’ nunca mais vai ser igual”, diz ela.
A coordenadora da Ação Educativa prega “pé no chão” no momento de retomada do ensino no país. Para ela, é preciso repensar questões cruciais como gestão, formação dos professores e combate à exclusão digital.
“Pensar em políticas públicas que desconsideram desigualdade, é contribuir para o acirramento delas”, pontua Edneia.
Questionada sobre a atuação das autoridades na área educacional durante toda a crise sanitária, ela ressalta que o problema não é a inação, mas sim a “ação errática”.
“Durante toda a pandemia, o próprio governo federal espalhou informações que vão contra a preservação da vida dos brasileiros, o que é claro que afeta a educação. É preciso garantir uma democracia pulsante, para que se garanta os direitos. A educação sempre esteve na ponta dessas lutas sociais e precisa continuar”, projeta.
Fonte: Yahoo!