Rondônia vive drama e teme nova variante da Covid-19

O sistema de saúde de Rondônia está em colapso. Não há leitos disponíveis para pacientes, e faltam médicos e enfermeiros para atender nas unidades de saúde. Especialistas apontam que o Estado vive o período mais difícil desde o início da pandemia e que não há previsão, ao menos por enquanto, de melhora no cenário.

Diante da atual situação, pacientes tiveram de ser transferidos para outros lugares, e o governo de Rondônia pediu ajuda ao Ministério da Saúde para conseguir médicos.

“É o período mais difícil (da pandemia). O sistema de saúde não havia colapsado antes”, explica o infectologista Juan Miguel Villalobos, pesquisador da Fiocruz Rondônia e professor da Universidade Federal de Rondônia. No último fim de semana, havia 42 pacientes à espera de um leito no Estado.

Para pesquisadores e profissionais de saúde ouvidos pela BBC News Brasil, o colapso em Rondônia se deve a alguns fatores: a baixa adesão ao isolamento social desde novembro de 2020, as dificuldades para contratar profissionais de saúde e um possível impacto de uma nova variante do coronavírus, detectada recentemente em Manaus (AM).

O caso se tornou alvo de investigação oficial. O governo de Rondônia nega qualquer irregularidade nos dados divulgados sobre a ocupação de leitos.

Colapso

Os casos de Covid-19 passaram a crescer consideravelmente em Rondônia desde o fim do ano passado, segundo especialistas. Logo no início do ano, a situação no Estado passou a ser considerada preocupante por profissionais de saúde da região.

Até quarta-feira (27), Rondônia, que tem cerca de 1,7 milhão de habitantes, registrou 121 mil infecções pelo novo coronavírus e 2.167 mortes, segundo o Ministério da Saúde.

Há relatos sobre dificuldades para conseguir vagas em hospitais do Estado há, ao menos, duas semanas. Diante do preocupante aumento de casos, o governo de Rondônia decidiu reabrir leitos do hospital de campanha para receber pacientes infectados pelo novo coronavírus.

Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, a unidade de campanha possui 24 leitos de UTI e três para a estabilização de pacientes, além de 71 leitos clínicos.

Em todo o Estado, há leitos que não estão em funcionamento por falta de profissionais de saúde, segundo a Secretaria de Saúde de Rondônia. Em nota à BBC News Brasil, a pasta relata que há, por exemplo, uma unidade com 30 leitos de UTI, “dos quais 25 estão ocupados e os outros estão montados e equipados”, mas inativos por “dificuldades para contratar médicos”.

Conforme a pasta, diversos profissionais de saúde foram convocados por meio de editais de chamamento para início imediato. Porém, segundo a secretaria, o número de médicos que se apresentaram foi insuficiente para suprir a atual demanda do Estado.

No último sábado (23/01), o governo de Rondônia pediu ajuda para transferir pacientes para outros lugares.

Desde segunda-feira (25/01), 13 pacientes foram transferidos para Curitiba (PR), nove para Porto Alegre (RS) e dois para Cuiabá (MT). Entre esses casos há pessoas em situações consideradas moderadas ou graves.

Diante do atual cenário de ocupação de 100% dos leitos de UTI e 79,8% dos clínicos (destinados a pacientes com menos gravidade) no Estado, há previsão de novas transferências de pacientes para outras unidades de saúde pelo país.

Dificuldades

Para tentar atrair novos profissionais, o governo de Rondônia publicou, neste mês, uma norma que define uma gratificação de até R$ 5.000 por mês para médicos que atuarem em locais que atendam pacientes com a covid-19. Segundo a medida, assinada pelo governador do Estado, Marcos Rocha, a gratificação começa a partir de R$ 1.250 e aumenta conforme o nível de dificuldade de atendimento da unidade de saúde.

Em nota enviada à BBC News Brasil na quarta-feira (27/01), o Ministério da Saúde afirma que a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde disponibilizou o banco de dados da pasta para que o Estado de Rondônia contrate médicos para atuarem no enfrentamento à pandemia. Desde segunda-feira, conforme a pasta, foram disponibilizados 59 médicos (38 intensivistas e 21 clínicos gerais) ao Estado, que devem ser contratados por gestores locais.

Presidente do Sindicato Médico de Rondônia, a cirurgiã plástica Flávia Lenzi aponta que muitos profissionais temem trabalhar para o Estado em razão de dificuldades após o fim do pico da pandemia no ano passado, entre maio e julho. “Na época, houve casos de profissionais contratados que foram demitidos antes do fim do contrato. Alguns até hoje não receberam suas verbas rescisórias”, diz a médica à BBC News Brasil.

Lenzi afirma também que outro problema que agrava a situação no Estado é a falta de médicos intensivistas. “Não existe médico especialista em UTI no mundo todo em quantidade suficiente para o atual cenário”, afirma.

Ela defende que sejam contratados médicos de outras áreas que possam ser orientados para trabalhar em Unidade de Terapia Intensiva. “Uma sugestão é chamar um médico que saiba clínica médica, intubar paciente, saiba mexer em um ventilador… E esse profissional trabalharia na UTI e todos os dias haveria um intensivista como tutor, que o orientaria, por meio da telemedicina, como lidar com cada um dos pacientes. Cada tutor ficaria responsável por até 10 pacientes”, diz.

As dificuldades em relação a profissionais de saúde não se restringem aos médicos. O Conselho Regional de Enfermagem de Rondônia aponta que a situação se estende também para os enfermeiros e técnicos de enfermagem.

“Na primeira onda da covid-19, o governo do Estado abriu leitos clínicos e de UTI. Mas depois que os casos diminuíram, os profissionais de saúde foram desligados, mesmo com a iminência da segunda onda. Agora, precisam recontratar profissionais de saúde e há dificuldades de aceitação por vários daqueles que foram dispensados meses atrás”, diz o enfermeiro Régis Georg, vice-presidente do conselho, à BBC News Brasil.

“Isso foi um erro de planejamento. Não deveriam ter fechado os leitos que foram abertos para atender os pacientes. Agora querem reabrir tudo de uma hora para a outra”, acrescenta.

Georg afirma que alguns enfermeiros e técnicos de enfermagem tiveram dificuldades para receber do governo de Rondônia ao fim do pico da pandemia no ano passado. Além disso, ele critica o fato de o Estado ter criado uma gratificação somente para os médicos.

“Muitos enfermeiros preferem não se expor ao vírus por um salário baixo, por volta de R$ 1.500 a R$ 2.000, e sem gratificação para a categoria. Quem tem opção, acaba escolhendo não trabalhar em serviço público neste momento”, afirma Georg.

O governo de Rondônia nega que tenha havido problemas de pagamento dos profissionais de saúde que atuaram no enfrentamento à covid-19 no ano passado.

Baixo isolamento

Para especialistas, a população de Rondônia, assim como em diversas partes do país, afrouxou o isolamento social no fim de 2020, em meio ao período de eleições e de festas de fim de ano. “A situação crítica atual é um reflexo completamente direto desse relaxamento das medidas de isolamento social. As festas de dezembro, por exemplo, promoveram uma transmissão de covid mais elevada que o normal”, diz o infectologista Juan Miguel Villalobos.

A Secretaria de Saúde do Estado também aponta a redução do isolamento social como principal fator para o aumento de casos do novo coronavírus. “Infelizmente, a população deve ter um cuidado maior, usar máscara, higienizar bem as mãos e manter o distanciamento social. Porém, muitos não cumprem (essas medidas)”, diz nota da pasta à BBC News Brasil.

O enfermeiro Régis Georg, que está na linha de frente do combate à covid-19, conta que percebeu que os atendimentos a pacientes com a covid-19 aumentaram nas últimas semanas.

“Não sei se as pessoas relaxaram no isolamento social por acreditar que logo haverá vacina (mesmo sem um prazo para imunização da população em geral) ou se o povo se acomodou mesmo em relação aos cuidados do isolamento social por acreditar que o vírus talvez não traga malefícios”, diz Georg.

Profissionais de saúde e pesquisadores criticam a demora do governo de Rondônia para endurecer as medidas de isolamento social. Mesmo com as frequentes aglomerações desde o fim do ano passado e o considerável aumento de casos, o Executivo estadual implementou medidas restritivas para a contenção do vírus somente em meados deste mês.

Em 17 de janeiro, o governo de Rondônia publicou um decreto no qual restringiu, das 20h às 6h, a circulação nos municípios com alta taxa de transmissão do coronavírus, como Porto Velho. No período restrito, somente podem sair pessoas que fazem atividades essenciais ou para atendimentos médicos. A medida, que era válida até terça-feira (26/01), foi prorrogada pelo governo até sábado (30/01).

Nova variante

Uma das possibilidades apontadas por especialistas para justificar a atual situação de Rondônia é que o Estado foi duramente afetado pela nova variante do coronavírus, identificada recentemente em Manaus — que pesquisadores cogitam ser mais transmissível e que pode ter colaborado, em partes, para o recente colapso no sistema de saúde do Amazonas.

A nova cepa, que ganhou o nome de P.1, foi identificada pela primeira vez no dia 10 de janeiro em quatro indivíduos que desembarcaram em Tóquio, no Japão, após uma viagem para o Amazonas. Posteriormente, ela também foi encontrada em um paciente de Minnesota, nos Estados Unidos.

Ainda são necessários mais estudos sobre a nova variante, mas cientistas avaliam que pode ser mais infecciosa que linhagens conhecidas anteriormente. Isso porque ela, assim como cepas identificadas recentemente no Reino Unido e na África do Sul, sofreu mutações nos genes que codificam a espícula (estrutura na superfície do vírus que permite que ele invada as células do corpo humano para iniciar a infecção). Conforme os estudos, essa característica pode trazer mais facilidade para o coronavírus “invadir” as células do corpo humano — e facilitaria a propagação dele.

Na noite de terça-feira (26/01), o Laboratório Estratégico do Instituto Adolfo Lutz confirmou os primeiros três casos da linhagem manauara no Estado de São Paulo. Pesquisadores acreditam que ela já pode ter chegado a outros diversos Estados brasileiros.

Segundo estudiosos, a proximidade com o Amazonas pode justificar uma possível propagação da variante em Rondônia no período recente.

“Muita gente vem de barco, que carrega de 100 a 150 pessoas, de Manaus para Porto Velho. Houve muitos relatos de pessoas que chegaram com suspeita de covid. Isso aumenta a possibilidade de espalhar essa cepa localizada no Amazonas. Isso pode ter piorado ainda mais a situação”, afirma Régis Georg.

Somente análises genéticas de pacientes de Rondônia poderão comprovar se a nova cepa encontrada em Manaus chegou ao Estado vizinho.

“É muito possível (que a variante encontrada em Manaus tenha chegado a Rondônia), mas não é algo que ainda possamos confirmar no momento. Embora possa ser um dos motivos, não podemos afirmar que essa nova variante seja a principal causa da atual situação em Rondônia, porque o relaxamento das medidas de isolamento social foi muito claro”, frisa Villalobos.

Rondônia não enfrenta escassez de oxigênio hospitalar nas últimas semanas, situação vivenciada no Amazonas. No entanto, Jesem Orellana, da Fiocruz, aponta que os Estados vizinhos têm uma característica em comum em relação ao atual cenário da pandemia: enfrentaram uma explosão de casos da covid-19 logo no início do ano e tiveram de transferir pacientes para outros lugares.

“É uma situação bem difícil nos dois casos. E pode ser que esse momento tão abrupto de explosão de casos da covid-19 na rede pública e privada seja explicado pelo fato de a variante encontrada em Manaus ter chegado a Rondônia”, diz Orellana.

Investigação

Diante do caos no sistema de saúde em Rondônia, o Ministério Público abriu um inquérito para apurar suposta fraude na divulgação de dados no Estado. Segundo o órgão, há discrepância entre os números de leitos informados pelo governo do Estado com aqueles que eram disponibilizados para a população.

A principal suspeita é de que esses dados tenham sido apresentados de forma irregular para evitar que fossem adotadas medidas mais duras de isolamento social no fim do ano passado. Segundo as apurações iniciais, teriam sido incluídos leitos que estavam indisponíveis por falta de médicos.

Conforme a Promotoria, enquanto o relatório do governo afirmava que havia leitos de UTI disponíveis semanas atrás, 30 pacientes aguardavam por um leito em todo o Estado. Ainda segundo o Ministério Público, os dados reais somente foram descobertos quando a fila de espera dos pacientes se tornou ainda maior.

O governo de Rondônia nega que tenha havido fraude nos números de vagas na UTI do Estado. Em nota, alega que cada relatório divulgado retrata a realidade do momento de sua expedição, que “pode variar durante o mesmo dia e até hora, de acordo com a internação, alta e óbito dos pacientes”.

“A metodologia para confecção desses relatórios durante o tempo de pandemia foi sendo gradualmente aperfeiçoada com vista a retratar com mais fidedignidade a realidade de ocupação dos leitos”, diz nota divulgada pelo governo de Rondônia.

Situação preocupante

Em meio às dificuldades enfrentadas em Rondônia, o principal temor de profissionais da saúde e pesquisadores é de que a situação se torne ainda pior nos próximos dias.

“Recebo informações constantes de que esse relaxamento das medidas de isolamento social continua aumentando, mesmo com o decreto (de isolamento) publicado pelo governo”, diz o infectologista Villalobos.

O governo de Rondônia afirma que irá reavaliar o decreto no sábado. O temor de profissionais da saúde é que as atuais medidas de isolamento, que eles consideram insuficientes, se tornem ainda mais escassas. “O comércio tem pressionado para que as coisas volte a reabrir normalmente”, diz Georg, do Conselho Regional de Enfermagem.

Georg é pessimista em relação aos próximos dias em Rondônia. “A situação está crítica, os hospitais estão completamente lotados e não sabemos como será daqui pra frente. Neste momento, não dá para apostar em uma melhoria”, afirma.

 

Fonte: portal Terra

Foto: Reprodução/Ministério da Defesa / BBC News Brasil

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